Inclusão Digital: chave para o progresso
O acesso à Internet mudou a vida de Cecilia Beltramo. Há quase
uma década, esta tradutora e editora argentina, de 59 anos, trocou
a cidade grande pela vida no campo. Graças à tecnologia, Beltramo
pôde substituir o escritório e a poluição por uma sala de trabalho
com vista para os pampas argentinos.
Mas, a conexão com o mundo a partir de uma área localizada 135
quilômetros ao sudoeste de Buenos Aires não foi fácil.
À procura desta conectividade, Beltramo percorreu 25 quilômetros
para chegar à cidade mais próxima e pagou 10.000 dólares para a
única pessoa na região com experiência na construção de
torres.
"A única maneira de ter Internet foi através da construção de uma
torre e, quando apareceu a oportunidade de construí-la, não tive
dúvidas", conta Beltramo.
"Quem construiu a torre foi um senhor bem, bem idoso, conhecido
como o 'torrero', porque seu trabalho era construir torres
parecidas com a minha para a cooperativa que presta serviços
elétricos na localidade de Lobos".
"A torre" é uma construção de metal de 30 metros de altura,
equipada com um para-raios e em cuja extremidade se instala um
equipamento que aponta para uma antena localizada em uma cidade
próxima. A antena capta o sinal e converte a casa de Beltramo em
uma das poucas residências na área com acesso à Internet.
Assim, a casa de Beltramo tornou-se um ponto de encontro para
crianças que aproveitam a conectividade para fazer suas lições de
casa.
A experiência Beltramo é prova de quão avançado o setor da
tecnologia da informação e comunicação (TIC) está na América
Latina, e quanto mais ainda precisa ser feito para que se obtenha a
melhoria da relação entre o acesso à Internet e a geração de
riqueza e inclusão social.
Segundo o Índice TIC do CAF -banco de desenvolvimento da América Latina-, organização que financia vários projetos de digitalização na região, a brecha digital é de 50%. Isso significa que a metade dos latino-americanos não tem qualquer acesso à rede. Apenas 10% têm acesso a conexões de banda larga e 20% estão conectados através da banda larga móvel.
Já com relação às empresas, a penetração é muito maior. De acordo com o estudo "O ecossistema e a economia digital na América Latina", que será publicado em breve e que é patrocinado pelo CAF, Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), CET.LA Associação Ibero-americana de Centros de Pesquisa e Empresas de Telecomunicações (AHCIET) e Fundação Telefônica, o uso do computador, Internet e correio eletrônico no setor manufatureiro do continente atingiu níveis que superam os 70%. No entanto, no que diz respeito à cadeia de suprimentos e aos canais de distribuição, o setor manufatureiro ainda tem que superar alguns obstáculos para progredir na sua digitalização.
Em comparação, a porcentagem de estabelecimentos manufatureiros na Suécia que interagem com o governo através da Internet chegou a 88,8% em 2009 (contra uma média de 45,7% para a América Latina), a porcentagem dos que adquiriram bens eletronicamente na Alemanha foi de 48% em 2007 (contra 41,7% na América Latina), enquanto 44,3% dos estabelecimentos no Reino Unido receberam pedidos de compra através deste mesmo meio em 2008 (contra 32,42% na América Latina).
"A redução da brecha digital pode ser obtida através de esforços
públicos e privados", afirma Mauricio Agudelo, especialista de
telecomunicações do CAF.
"São necessários 143 bilhões de dólares adicionais para fechar
essa brecha digital até 2020", diz o especialista. "E, estes 143
bilhões não virão sozinhos se não existir um marco institucional
que promova o investimento, a concorrência, que diminua a incerteza
das empresas".
Agudelo participou recentemente no Congresso Latino-Americano de
Telecomunicações 2015, em Cancun, organizado pelo CAF, Associação
Interamericana de Empresas de Telecomunicações (ASIET), Secretaria
de Comunicações e Transportes do México (SCT) e GSMA. Um dos temas
discutidos no congresso foi a importância do investimento em
infraestrutura como um catalisador do crescimento social e
econômico.
Segundo dados do CAF, em um estudo realizado em conjunto com ASIET, CEPAL e Fundação Telefônica, nos últimos cinco anos a digitalização na América Latina contribuiu 4,3% para o Produto Interno Bruto regional e gerou mais de 900.000 empregos, tornando-se um elemento-chave para atenuar a atual desaceleração econômica.
"Este é um mercado que contribui significativamente para o PIB
das economias", afirma Agudelo. "Especialistas do setor classificam
esse mercado como um setor transversal que contribui indiretamente
para outros setores".
Como exemplo, Agudelo cita os setores de serviços, turismo,
serviços financeiros, mineração e agricultura.
"Apesar da desaceleração que a América Latina está experimentando,
uma maior presença deste setor na economia melhora a produtividade
e acelera as taxas de crescimento dos países", diz o
especialista.
Com isto em mente, alguns governos da região já lançaram
iniciativas.
O Governo do Chile promoveu o programa 'Startup Chile'. Este
projeto visa atrair empreendimentos em sua fase inicial com o
objetivo de que usem o país como uma plataforma para sair ao mundo.
E, a cidade de Medellín, na Colômbia, está em pleno desenvolvimento
de um distrito tecnológico que visa atrair empresas relacionadas à
ciência e tecnologia, especialmente nos setores de saúde, energia e
TICs.
A isso se soma a crescente penetração da telefonia móvel, o que facilita cada vez mais a conectividade dos latino-americanos.
"Tanto o setor de telecomunicações como os governos atribuem, cada vez mais, à banda larga móvel um enorme potencial para reduzir a brecha digital", afirma Gustavo Fontanals, especialista em telecomunicações e pesquisador da Universidade de Buenos Aires.
"Isso vai depender da implantação de políticas de promoção que
assegurem que os desenvolvimentos cheguem às áreas menos rentáveis
e que se dirijam a reduzir os preços dos serviços", explica.
"Através de políticas como esta se permitiria o acesso a setores da
população que estão desconectados até agora".
Setores como o das crianças que vivem na zona rural e que vão à
casa de Beltramo para fazer lição de casa na sombra da sua torre de
metal.