Acessibilidade: fundamental para melhorar o bem-estar e a produtividade nas cidades da América Latina
Como aproveitar as oportunidades oferecidas pelas cidades em termos de emprego e qualidade de vida? A resposta poderia estar na implementação de melhorias no planejamento e na regulação do uso do solo, da mobilidade e do transporte, bem como no acesso aos serviços básicos e à moradia, entre outros, por meio de uma melhor governança metropolitana. Essas conclusões estão desenvolvidas no Relatório de Economia e Desenvolvimento (RED) 2017 do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) "Crescimento urbano e acesso à oportunidade: um desafio para a América Latina", cujo lançamento regional foi realizado em Bogotá.
Enquanto menos de 10% dos habitantes do mundo (aproximadamente 900 milhões de pessoas) vive em assentamentos informais, na América Latina, essa cifra fica entre 20% e 30%. Consequentemente, muitas cidades da região são caracterizadas pela prevalência de altos níveis de informalidade em termos de habitação, o que, juntamente com a informalidade do transporte público, limitam o acesso a oportunidades de trabalho formal a um grande percentual de seus habitantes. Essa "tripla informalidade" (habitação, transporte e emprego) é, em grande parte, responsável pelos baixos níveis de produtividade e bem-estar observados nas cidades latino-americanas.
A capacidade das cidades de aumentar o bem-estar de seus habitantes depende, fundamentalmente, das políticas públicas e da maneira como essas sejam capazes de aproveitar os benefícios econômicos da urbanização, diminuindo seus custos sociais. A acessibilidade tem um papel determinante para que isso seja possível. Por isso, é o eixo central do Relatório de Economia e Desenvolvimento (RED) 2017 do CAF "Crescimento urbano e acesso à oportunidade: um desafio para a América Latina".
"Uma cidade acessível reduz as distâncias reais entre as pessoas e as empresas, bem como potencializa os benefícios da aglomeração. Para que isso seja possível, é necessário integrar o planejamento e a regulação do uso do solo com uma infraestrutura adequada de mobilidade, políticas de compensação pela utilização de veículos particulares e um mercado de habitação flexível, que, por sua vez, sejam articulados por uma coordenação eficiente dessas políticas no âmbito metropolitano, que, em última instância, resultem em maior bem-estar e desenvolvimento das cidades", disse Luis Carranza, presidente-executivo do CAF.
O RED de 2017 enfatiza três dimensões fundamentais, que estão intimamente integradas: a utilização e a regulamentação do uso do solo, a mobilidade e o transporte e o acesso à moradia e aos serviços básicos. Além disso, para garantir a integração entre essas dimensões de política no espaço metropolitano, é necessário que haja projetos de governança metropolitana que levem em conta a necessidade de coordenação nos âmbitos regional e setorial.
Uso do solo
As cidades da América Latina apresentam um uso mais intensivo do solo urbano do que as cidades de países desenvolvidos. Uma das razões pelas quais a maioria das cidades da região não tem sido capaz de tirar proveito das vantagens do seu nível relativamente alto de urbanização é sua infraestrutura inadequada, tanto de transportes quanto de serviços públicos. A pobre infraestrutura, juntamente com regulamentações restritivas do uso do solo, não têm permitido que as cidades da região absorvam os fluxos migratórios, expandindo seu tamanho de forma ordenada, a fim de facilitar o acesso às oportunidades econômicas oferecidas pela cidade.
No caso de Bogotá, a densidade populacional em relação à superfície construída é de 245 habitantes por hectare, enquanto a densidade média de cidades com mais de 3 milhões de pessoas na Europa e na América do Norte é de 60 e 25 habitantes por hectare, respectivamente. Por exemplo, a densidade em relação à área construída em Londres é de 63 habitantes por hectare, enquanto, em Nova York, é de 24. Bogotá também se destaca por ser uma das poucas grandes metrópoles do mundo que apresentou aumentos de densidade nas últimas três décadas, enquanto, na maioria das cidades, a tendência é a diminuição da densidade urbana.
Transporte
As dificuldades de mobilidade impedem que as pessoas tenham acesso aos melhores empregos disponíveis e que as empresas contratem a mão de obra mais preparada, diminuindo, assim, a produtividade de toda a cidade. De acordo com o estudo feito pelo CAF para este relatório, um latino-americano médio leva 40 minutos de sua casa até o trabalho (sem contar o tempo gasto para voltar para casa). Em cidades como São Paulo, Bogotá, Cidade do México e Lima, um quarto da população gasta pelo menos uma hora por dia para ir ao trabalho. Dessa forma, o RED enfatiza que as políticas públicas devem criar mecanismos para que aqueles que, com o seu comportamento (por exemplo: uso do automóvel na hora do rush), impõem custos à sociedade, compensem essa situação pagando pelo dano causado.
“O RED discute um amplo conjunto de políticas que buscam melhorar a acessibilidade urbana, por meio da redução dos custos de congestionamento das cidades, regulando o uso de automóveis particulares, mediante impostos por congestionamento, programas de restrição veicular (rodízio de veículos de acordo com o final de placa), tarifas diferenciadas em rodovias e impostos sobre o combustível. O sucesso desses tipos de iniciativas deve ser acompanhado por uma cobertura maior do transporte público, bem como pela qualidade do serviço prestado para incentivar seu uso”, explicou Pablo Sanguinetti, diretor corporativo de Análise Econômica e Conhecimento para o Desenvolvimento do CAF.
De acordo com o estudo realizado pelo CAF, Bogotá é a cidade com os níveis mais altos de insatisfação da população com o transporte público. 38% dos bogotanos estão insatisfeitos com o transporte público da cidade. Uma razão para isso pode ser o tempo que os usuários gastam no sistema de transporte público. Das 11 cidades incluídas na pesquisa, Bogotá é a cidade onde os usuários de transporte público levam mais tempo (mais de uma hora em cada trajeto, em média) para ir de casa até o seu local de trabalho.
Moradia
O lugar de residência em relação ao local do emprego, serviços básicos e áreas de diversão (espaços públicos, teatros, estádios) é fundamental para ter acesso às oportunidades da cidade. Na América Latina, as medidas sobre acessibilidade mostram que a moradia está fora do alcance do orçamento de muitas famílias. Um apartamento de 50 metros quadrados poderia consumir 30 anos da renda média em vários países.
Para reverter isso, é necessário flexibilizar a oferta imobiliária, simplificar o quadro regulatório do uso do solo e das normas de edificação, agilizar os processos burocráticos de alvarás de construção e registros de propriedade. Além disso, pelo lado da demanda, é necessária uma maior geração de renda e que haja mais acesso ao crédito hipotecário. Flexibilizar o mercado de aluguel de imóveis é outra opção para facilitar o acesso a moradias de qualidade. Um mercado formal eficiente promove, no médio prazo, uma redução sustentável de assentamentos informais.
Atualmente, se o bogotano médio usasse 30% de sua renda para alugar uma moradia, só conseguiria um imóvel de 19m², ao passo que em Buenos Aires, Santiago do Chile e Lima esta cifra é de 24m² e, em Montevidéu, de 26m².
Governança
O sucesso das intervenções em questões como o uso do solo, a mobilidade e o mercado da moradia depende, em grande parte, da governança metropolitana. As cidades devem possuir acordos institucionais que permitam a formulação e a implementação de políticas públicas de forma eficiente e eficaz, por meio de processos de tomada de decisão transparentes e participativos; portanto, legítimos. Isso é importante porque, da formulação e da implementação de políticas públicas, normalmente, participam instituições de diferentes níveis do governo, o setor privado e a sociedade civil.
Uma boa governança metropolitana se apoia em três pilares. Em primeiro lugar, o equilíbrio entre a complexidade dos problemas/políticas a serem abordados e sua consecução por meio de acordos institucionais. Em segundo lugar, os recursos financeiros e humanos com que podem contar e, em terceiro, sua legitimidade política (prestação de contas aos cidadãos).
No caso de Bogotá, há diagnósticos claros sobre a necessidade de que haja uma maior coordenação de políticas públicas entre os municípios que fazem parte da área metropolitana da cidade. No entanto, Bogotá não tem sido capaz de formar um governo metropolitano. Por outro lado, em Medellín, já existe uma estrutura de governança metropolitana estabelecida, que parece ter contribuído para encontrar soluções eficazes sobre questões tão relevantes quanto o transporte urbano. Essas diferenças resultam em diferentes níveis de satisfação com a moradia, o transporte e os serviços públicos entre as duas cidades, sendo o nível de satisfação significativamente mais alto em Medellín que em Bogotá.
É necessário um fortalecimento institucional e esforços por parte do estado no âmbito metropolitano para coordenar mais e melhores políticas e conseguir maior equilíbrio nas cidades latino-americanas, onde predominem as vantagens da aglomeração e, assim, haver cidades mais produtivas e com níveis mais altos de bem-estar para seus habitantes. Em suma, cidades com maior acessibilidade.
O lançamento regional do RED 2017 contou com a participação do ministro da Moradia, Cidade e Território, Jaime Pumarejo; do diretor encarregado da Direção de Desenvolvimento Urbano do Departamento Nacional de Planejamento, José Antonio Pinzón; da vice-reitora da Universidade del Rosario, Stephanie Lavaux; do secretário de Mobilidade de Bogotá, Juan Pablo Bocarejo; do vice-ministro da Moradia, David Pinilla Calero; a subdiretora Territorial de Planejamento da Prefeitura de Medellín, Claudia Andrea Garcia; e do decano do Departamento de Propriedade Raiz e professor da Wharton School, da Universidade da Pensilvânia, Gilles Duranton.