América Latina e Europa: novos aliados para enfrentar os desafios globais
A crise do multilateralismo global oferece uma oportunidade única para promover relações políticas, econômicas e comerciais entre a América Latina e a Europa, segundo afirmou um grupo de especialistas internacionais renomados que se reuniu em Paris, na IV Conferência CAF - Sciences Po.
As relações geopolíticas estão sofrendo profundas transformações como consequência da falta de liderança global e do surgimento de atores emergentes, e isso representa uma boa oportunidade para que a América Latina e a Europa fortaleçam seus laços e reforcem sua influência internacional.
Essa é uma das principais conclusões às quais chegaram as personalidades que se reuniram em Paris, no âmbito da conferência "Repensar a Relação Europa/América Latina em tempos de crises do multilateralismo", organizado pelo CAF - Banco de Desenvolvimento da América Latina - e pelo Sciences Po, para cerca de 200 estudantes, pesquisadores, altos funcionários franceses e diplomatas.
De acordo com os especialistas, para superar a crise do multilateralismo, será essencial que a América Latina reforce sua integração regional e aja como um bloco único, a fim de tirar maior proveito das atuais e futuras alianças comerciais e econômicas.
"O compartilhamento de ideias entre a Europa e a América Latina e o compromisso com a resolução conjunta de problemas globais, tais como a mudança climática e desenvolvimento urbano, são vitais para enfrentar as transformações geopolíticas nos próximos anos", disse Luís Enrique Berrizbeitia, vice-presidente executivo do CAF.
Por outro lado, Frédéric Mion, diretor do Sciences Po, disse que "existe uma proximidade histórica, cultural e até mesmo sentimental entre a Europa e a América Latina, e eventos como esse são uma ótima oportunidade para estreitar os laços já existentes".
Durante os painéis de discussão, os especialistas concordaram que o efeito Trump, o boom econômico da China, a crescente influência da Rússia e os enormes avanços tecnológicos levam ao fim do multilateralismo como o conhecemos hoje.
"O multilateralismo ficou sem ferramentas ao manter um modelo de 70 anos atrás, no qual não se reconhecem os problemas que afetam o mundo atualmente", disse Susana Malcorra, ex-ministra das Relações Exteriores e Culto da Argentina.
Nessa mesma linha, Enrico Letta, decano da Escola de Assuntos Internacionais de Paris (PSIA), do Sciences Po e ex-primeiro-ministro da Itália, afirmou que "temos de nos preparar para uma mudança nas relações globais" e que "a Europa e a América Latina devem e podem injetar vitalidade e energia no multilateralismo".
Josep Piqué, ex-ministro dos Assuntos Exteriores da Espanha, disse que a relação entre a União Europeia e a América Latina pode se intensificar se houver uma redução da intensidade da relação com os Estados Unidos, uma vez que ambas as regiões compartilham de valores essenciais, tais como a paz e a democracia. "Nas relações entre a América Latina e a Europa, é preciso distinguir o dinamismo dos investimentos e o menor peso que corresponde ao comércio. Por isso, é importante aprofundar nos acordos comerciais, uma vez que favorecem os esforços de integração", acrescentou Piqué.
Por outro lado, Jolita Butkeviciene, diretora da Direção de Cooperação Internacional e Desenvolvimento da Comissão Europeia para a América Latina e o Caribe, fez um apelo para que a Europa e a América Latina defendam juntos um modelo de multilateralismo que responda às necessidades do século XXI. "Os interesses e os valores comuns da América Latina e da Europa estão evoluindo rapidamente", disse Butkeviciene.
Quanto às medidas que poderiam promover uma maior cooperação econômica entre a América Latina e a Europa, Gonzalo Gutiérrez, embaixador do Peru para a União Europeia e ex-ministro dos Assuntos Exteriores, defendeu que é fundamental "incorporar normas avançadas de investimento que melhorem os fluxos de capitais bilaterais".
Christian Daude, diretor de Pesquisas Socioeconômicas do CAF, disse que existe muito espaço para aprofundar nas relações bilaterais entre as duas regiões e que, por exemplo, "a Europa poderia contribuir com um conhecimento valioso para a América Latina nos setores de transporte, infraestrutura e TIC".
Por outro lado, Mario Cimoli, diretor da Divisão de Desenvolvimento Produtivo e Empresarial da CEPAL, destacou que "as tensões geopolíticas atuais têm um componente tecnológico muito importante" e que a robótica ou a automação dos empregos são fatores que vão influenciar a configuração das relações internacionais de maneira determinante nas próximas décadas.