Por que precisamos de formas alternativas de medir a pobreza?
A luta contra a pobreza deve incorporar indicadores socioemocionais, como a autoestima ou as habilidades para a vida, a fim de refletir melhor a situação dos mais vulneráveis e, com isso, elaborar políticas públicas mais eficientes.
Nos últimos anos, a América Latina tem feito progressos históricos na luta contra a pobreza: reduziu-a quase à metade entre 2002 e 2014, passando de 42,8% a 23,4%.
Mas esse sucesso não veio sem uma crescente insatisfação com as formas mais habituais de medir a pobreza, baseadas em indicadores tradicionais geralmente focados em aspectos quantitativos como a renda, a mortalidade ou o acesso ao crédito, que deixam de lado outras variáveis, também importantes, como o capital social, as emoções, as habilidades para a vida ou a solidariedade.
Ganhadores do prêmio Nobel, como Amartya Sen, Angus Deaton ou Daniel Kahneman, são alguns dos principais apoiadores de uma corrente que pretende integrar novos indicadores para medir a pobreza, com o fim de obter uma imagem mais fiel da situação dos mais vulneráveis e, assim, implementar políticas públicas mais eficazes.
Essa tendência considera a pobreza um problema heterogêneo que afeta indivíduos com diferentes necessidades quantitativas e qualitativas. A premissa é simples: cada família é pobre de uma forma singular, possui ativos e problemas diferentes e se adapta à sua própria realidade. Por isso, é necessário oferecer um diagnóstico que entenda a realidade única de cada indivíduo e família e incluir de forma ativa os próprios pobres na definição (e na solução) do problema da pobreza.
“Para abordar com eficiência um problema complexo como a pobreza, é necessário entender todos os fatores que influem na vida das pessoas, e isso implica integrar e analisar elementos psicológicos, sociais, culturais e econômicos que até o momento foram descuidados”, explica Ana Mercedes Botero, diretora de Inovação Social do CAF.
Neste sentido, o CAF tem apoiado a criação de modelos inovadores na medição da pobreza, que complementam as metodologias tradicionais com novas variáveis de natureza social e psicoemocional e capacitam grupos vulneráveis na medição e no melhoramento de sua própria situação.
A seguir, destacam-se as iniciativas que o organismo multilateral executou na América Latina para medir mais eficientemente a pobreza:
As dimensões ausentes
A direção de Inovação Social do CAF publicou, em colaboração com a Universidade de Oxford, o relatório As dimensões ausentes na medição da pobreza, que propõe a incorporação de novos indicadores nos estudos sobre a pobreza, que permitam captar dimensões geralmente ausentes nas análises que são feitas sobre esse fenômeno social complexo.
A publicação abre uma nova perspectiva sobre como medir a pobreza como fenômeno multidimensional, com a adição de novos domínios como o bem-estar psicológico, a segurança física, a capacidade de viver a vida sem sentir vergonha ou humilhação, e o empoderamento. A ausência dessas dimensões reflete uma brecha na medição da pobreza e na percepção das pessoas que vivem nessa situação.
Essas dimensões vão acompanhadas de desafios: sua medição é mais complexa por serem variáveis subjetivas e é necessário fazer um esforço para criar indicadores quantificáveis, comparáveis em nível internacional e que permitam identificar mudanças que possam ser produzidas no tempo. Apesar da complexidade e do esforço que sua medição supõe, a ausência dessas dimensões implica o risco de não aplacar a pobreza em todas as suas formas, já que cada dimensão está relacionada com os aspectos fundamentais do fenômeno.
O Sinal de trânsito
A ferramenta Sinal de Trânsito de Eliminação de Pobreza é uma metodologia que permite às famílias medir seu nível de pobreza e identificar estratégias personalizadas para solucionar suas necessidades específicas. O Sinal usa 50 indicadores e está dividido em seis dimensões: Renda e emprego, saúde e meio ambiente, moradia e infraestrutura, educação e cultura, organização e participação e motivação e interiorização. Os indicadores são assim definidos: vermelho (extrema pobreza), amarelo (pobreza não extrema) ou verde (não pobreza).
Esta metodologia permite superar muitas das limitações tradicionais dos programas de luta contra a pobreza ao capacitar cada família a fazer um autodiagnóstico de seu nível de pobreza e desenvolver uma estratégia personalizada para sair dessa situação permanentemente (elabora um mapa de vida). Dessa maneira, rompe, o conceito desconcertante da pobreza em problemas menores e mais maneáveis que podem ser resolvidos por meio de ações, tornando visível o invisível através de dimensões e indicadores que representam, em um contexto local, o que é ser extremamente pobre (vermelho), pobre (amarelo) e não pobre (verde).
As informações geradas são georreferenciadas, criando mapas comunitários nos quais empresas, organizações da sociedade civil e governos podem visualizar as áreas problemáticas, com o fim de alavancar recursos e complementar-se.
Desta maneira, as famílias são as protagonistas do processo de eliminação da pobreza, responsáveis desde a autoavaliação até a implementação de soluções, transformando realidades e criando planos de eliminação de pobreza que vão além de meros subsídios, visando provocar mudanças nos padrões típicos que geram e mantêm a pobreza.
Entidades públicas como o Ministério da Justiça ou a Secretaria Técnica de Planejamento e mais de sessenta empresas no Paraguai já adotaram o Sinal de trânsito e entrevistaram mais de 20.000 famílias. O Sinal de trânsito está sendo empregado em países tão diferentes como Estados Unidos, Serra Leoa, Argentina, Taiwan ou Reino Unido, e está presente em quatro continentes.