Acessibilidade e inclusão social: desafios da infraestrutura na América Latina
A conectividade das cidades para melhorar a qualidade de vida da população, os benefícios dos projetos de integração regional, as vantagens e os desafios das Parcerias Público-Privadas (PPP) e os avanços em infraestrutura na Argentina foram algumas das questões centrais discutidas na sessão da tarde do primeiro dia da Conferência “Infraestrutura para o Desenvolvimento da América Latina”.
Criar infraestruturas inclusivas que promovam e facilitem o dia a dia permitirá um aumento na produtividade tanto da população quanto das cidades. É preciso garantir que grupos sociais, especialmente mulheres, famílias de baixa renda, idosos, entre outros, possam participar plenamente de todos os aspectos da vida diária, colaborando na criação e na implementação de políticas claras e transparentes. Esse foi um dos assuntos discutidos durante o primeiro dia da Conferência “Infraestrutura para o Desenvolvimento da América Latina”.
Durante sua palestra magistral, a governadora da província de Buenos Aires, María Eugenia Vidal, foi contundente ao afirmar que “a infraestrutura é a grande dívida social da província de Buenos Aires. Esse é seu principal entrave, e se tornou uma prioridade para nossa gestão. Nosso governo estabeleceu três prioridades: a segurança do cidadão, o desenvolvimento da infraestrutura e a inclusão social".
A governadora disse que a dívida em infraestrutura ultrapassava US$ 32 bilhões, equivalente a pouco mais de um ano do orçamento da província, e apenas 3% do orçamento total era investido em infraestrutura. Então, a primeira coisa feita foi dobrar o orçamento e definir uma meta anual para um crescimento gradual das obras públicas. “Nosso objetivo neste mandato é reduzir em 25% a dívida de infraestrutura da província, o que estamos cumprindo, com 1.300 obras concluídas e, até o final da nossa gestão, serão 3.200, entre as que estão em execução e as que estão em fase de projeto", acrescentou.
Finalmente, María Eugenia Vidal agradeceu a contribuição do CAF em iniciativas estratégicas para a província, como o “Plan de Manejo Integral de la Cuenca del Río Luján”, para evitar inundações, e a construção de uma usina de purificação que atenderá à demanda de água potável e contribuirá para melhorar a eficiência dos sistemas de abastecimento de La Plata, Ensenada e Berisso, entre outras localidades.
O ministro do Interior, Obras Públicas e Habitação da Argentina, Rogelio Frigerio, em sua palestra magistral, falou da importância da infraestrutura para promover a integração regional. Na Argentina, estão sendo desenvolvidos 162 projetos binacionais que envolvem um investimento de cerca de US$ 50 bilhões, dos quais 53 estão em andamento e 32 já foram concluídos. “Temos 18 passagens fronteiriças que concentram 85% do fluxo de bens e serviços. Em algumas delas, estamos trabalhando com a assistência do CAF. Esses projetos não apenas melhoraram a conexão comercial com os países vizinhos, mas também um setor essencial como o turismo”, acrescentou.
“Todos esses desafios de investimento passam pelo problema do financiamento e, por isso, precisamos da assistência de organismos multilaterais como o CAF, que apoia o Ministério do Interior, Obras Públicas e Habitação com o financiamento de mais de 80 obras, o que agradecemos muito. Outro aspecto fundamental é o investimento privado. Portanto, estamos felizes com o sucesso da abertura dos envelopes da primeira experiência com Parcerias Público-Privadas para a construção de 1.500 km de vias seguras, 200 km de vias especiais e 800 km de autoestradas. Com isso, a Argentina poderá dobrar seu investimento na rede rodoviária sem afetar nosso orçamento, de que tanto devemos cuidar para manter o equilíbrio das contas públicas”, afirmou.
As PPP, ou APP (Associações Público-Privadas), como também são conhecidas em alguns países da região, foram um dos temas centrais da palestra “Governança e transparência no setor da infraestrutura” realizada por Eduardo Engel, diretor do programa de anticorrupção da Fundación Espacio Público . "As PPP podem resolver vários dos principais problemas da administração pública em termos de infraestrutura, mas, como a experiência das últimas décadas tem mostrado, também podem criar novos problemas. No entanto, com uma governança adequada, é possível tirarmos proveito dos benefícios das PPP ao mesmo tempo em que evitamos seus riscos. Uma governança que enfatiza a transparência e as capacidades institucionais é um elemento essencial de um programa de PPP bem-sucedido".
Engel explicou que uma das vantagens das PPP é que permitem fazer mais em uma obra pública com a mesma quantidade de recursos. Isso ocorre porque os incentivos para as empresas privadas são melhores, melhorando a qualidade da construção, diminuindo o tempo de construção e tornando sua manutenção mais barata, o que é conveniente para o estado, porque os riscos são compartilhados. “No entanto, o principal benefício é que resolve um dos principais problemas de infraestrutura da administração pública: pouco incentivo e poucos recursos para as obras existentes”, acrescentou.
Cidades acessíveis
Robin Chase, cofundadora da ZipCar, explicou que o transporte é a porta de entrada para oportunidades para indivíduos e empresas. Seja para ir à escola, trabalhar, encontrar amigos ou visitar fornecedores e clientes, tudo depende da qualidade da rede de transportes. "As cidades que promovem o uso do automóvel excluem muitas pessoas e não são lugares agradáveis para trabalhar, viver e se divertir. Os melhores sistemas de transporte priorizam a caminhada e o uso da bicicleta de forma segura, bem como opções de transporte compartilhado. Isso significa que jovens e idosos, ricos e pobres, homens e mulheres têm à sua disposição uma variedade de opções de transporte para suas atividades do dia a dia. As cidades acessíveis e conectadas são mais produtivas”, acrescentou.
O prefeito de Medellín, Federico Gutiérrez, enfatizou a importância de um bom sistema de transporte público, que deve conectar toda a cidade, oferecer um serviço que permita reduzir tempos de deslocamento a custos razoáveis, a fim de melhorar a qualidade de vida das pessoas. "O sistema de transporte da nossa cidade é reconhecido por ser ambientalmente sustentável, mas, acima de tudo, por representar uma grande inovação social. Devemos alcançar uma integração física e tarifária se quisermos promover o desenvolvimento das comunidades", afirmou.
Lake Sagaris, pesquisadora e professora adjunta do CEDEUS, enfatizou a necessidade da acessibilidade nas cidades, observando que “conforme dados do próprio CAF, a estratégia para melhorar estes aspectos das cidades consiste em simplesmente garantir que grupos sociais, especialmente mulheres, famílias de baixa renda, idosos, entre outros, possam participar plenamente de todos os aspectos da vida diária, cuidando do meio ambiente com atitudes mais limpas, cuidando da saúde ao usar mais o transporte ativo e público e colaborando na criação e na implementação de políticas públicas claras e transparentes”.
Por sua vez, Juan José Méndez, secretário dos Transportes de Buenos Aires, indicou que “uma cidade segura e conectada é uma cidade com oportunidades. Isso permite um acesso equitativo de toda a população às opções que a cidade oferece: a possibilidade de alcançar um mercado de trabalho maior e diversificado, melhores ofertas educacionais e de saúde. É assim que concebemos o transporte, como um serviço que deve garantir acessibilidade a todos os setores da sociedade".
Integração regional mais pragmática
No último painel do dia, “Infraestrutura para a integração: como acelerar a agenda de infraestrutura para a integração regional?”, Dyogo Oliveira, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), disse que a América Latina tem o desafio de se livrar “das armadilhas, das enganações, de projetos que ficam apenas nas ideias” e se concentrar naqueles que possam captar fundos para seu financiamento. Por outro lado, acrescentou que “devem ser promovidos modelos financeiros e jurídicos que facilitem a realização dos projetos. Durante muito tempo, os fundos soberanos foram este modelo, mas as PPP podem ser uma boa solução”.
Por sua vez, Gustavo Beliz, diretor do INTAL, explicou que a região deve adaptar-se ao contexto atual. “Grande parte dos negócios das nossas empresas está condicionada à revolução digital, que é intangível. Devemos conectar a infraestrutura com o que os latino-americanos estão buscando: 80% das pessoas preferem conectividade digital a estradas, de acordo com uma enquete realizada pelo Latinobarómetro. Portanto, para integrar as cidades de maneira eficiente e inteligente, devemos ouvir o que a população deseja”.
Jorge Forteza, especialista em estratégias de desenvolvimento de territórios, empresas e governança, destacou o valor agregado que o conceito de integração deve ter “para criar cadeias de valor entre nossos países e oferecer serviços e produtos que vão além das commodities. A América Latina deve, e pode, aumentar sua participação no mercado global em muitas áreas. Por isso, temos que repensar o conceito de integração e olhar para além da exportação de commodities”.