Como ser original na relação entre público e mídia, e elaborar sua fórmula de financiamento: casos do Peru e Brasil
No Peru, novos empreendimentos jornalísticos visam públicos não atendidos. No Brasil, várias iniciativas encontraram seus próprios meios de financiamento, que podem orientar o caminho nos países vizinhos. Estas realidades foram colocadas em perspectiva durante “El Otro”: II Encontro Latino-americano de Jornalismo Empreendedor e Inovador.
“Embora uma revista seja destinada a comunicar algo, ela se transforma em algo mais quando começa a solucionar um problema”, alegou Piero Che Piu, fundador de Fútbol Femenino, no segundo dia de “El Otro”: II Encontro Latino-americano de Jornalismo Empreendedor e Inovador
O veículo colocou em contato mulheres jogadoras de futebol, diminuindo assim o isolamento em que praticam o esporte pelo qual são apaixonadas. A página no Facebook tem 260 mil curtidas e o grupo “Camerino Perú” tem 1100 membros na mesma rede social. Lá, as jogadoras se reúnem para montar equipes e participar de jogos, por exemplo.
A delimitação de seu público, jogadoras de futebol com idades entre 16 e 25, e o conhecimento de seus interesses são dois pontos fortes de Fútbol Femenino. Che Piu enumera com clareza quais são os três tipos de conteúdos que sua comunidade acessa: entretenimento, histórias inspiradoras e conteúdos que impulsionam o aprendizado técnico futebolístico.
Pouco mais de um ano após o surgimento de Fútbol Femenino, Natalia Sánchez co-fundou o site Malquerida. Junto com sua equipe, sabiam qual seria seu diferencial: uma redação composta apenas por mulheres, como uma resposta para a esmagadora maioria masculina no comando das mídias impressas no Peru. A diferença no conteúdo fornecido ocorre por meio de reportagens nas quais as entrevistadas, por conta de uma proximidade natural, confiam a repórteres mulheres informações que geralmente não compartilhariam com homens.
Além disso, a revista Sudor surgiu há menos de um ano e optou por abordar o esporte como um fenômeno cultural, escapando do estilo “resultadista” dos jornais esportivos de Lima e do pouco espaço que estes deixavam para as crônicas e o jornalismo investigativo, explicou seu co-fundador Renzo Gómez.
Os três empreendimentos ainda continuam em busca de formas de financiamento para cobrir pelo menos a totalidade dos custos. Estão cientes de que não é uma tarefa de curto prazo. Fútbol Femenino (3 anos) já gera receita de maneira estável por meio da promoção das academias de futebol, cobrindo assim os custos de manutenção do site. Seu fundador advertiu que acessar subsídios ou grants de organizações internacionais não é geralmente uma opção para o site, pois estes tendem a apoiar iniciativas que reforçam a democracia (a partir de temas políticos, financeiros, de direitos humanos, etc.), enquanto que a categoria da Fútbol Femenino é parte do entretenimento.
No caso de Sudor, sua equipe está gerando receita por meio da venda do Benditos, seu primeiro livro publicado pela editora Magreb; e estaria fechando um contrato para uma segunda publicação. Malquerida, por fim, ainda depende dos fundos de suas fundadoras, e já experimentou as campanhas de crowdfunding e a publicação por meio de parcerias.
Nesse sentido, o nível de amadurecimento dos empreendimentos no Brasil e seus modelos de financiamento são objetos de análise que podem gerar aprendizados valiosos em outros países da região, como o Peru.
A explosão desses empreendimentos no Brasil ocorreu em 2015, ano seguinte à penetração da banda larga ter chegado a 30% e os níveis de publicidade nas mídias impressas terem começado a cair drasticamente. Uma relação conhecida como “a regra dos 30%” em nível global, conforme explicado pelo jornalista brasileiro Pedro Doria, fundador do Canal Meio.
Ao cortar os fundos, os orçamentos das áreas jornalísticas diminuíram e alguns repórteres tomaram a iniciativa de desenvolver seus próprios projetos. Cada um encontrou sua própria fórmula de financiamento, e aqui constam alguns dos exemplos analisados por Doria durante sua apresentação, “O auge do jornalismo empreendedor no Brasil”:
Canal Meio. Ano de fundação: 2016. Temática: política, cultura, tecnologia e estilos de vida. Serviço: newsletter de segunda a sexta-feira. Financiamento: anúncios de publicidade e conteúdos patrocinados semanalmente; seu plano é continuar com o modelo freemium de segunda a sexta-feira e criar uma edição paga nos finais de semana, na qual seriam acessadas matérias de maior profundidade.
Poder 360. Ano de fundação: 2015. Temática: política. Serviço: newsletter e site de notícias. Financiamento: o site é financiado por assinaturas da newsletter, e no futuro próximo serão produzidas pesquisas eleitorais.
Nexo Jornal. Ano de fundação: 2015. Tema: seções variadas (política, cultural, sociedade, internacional, saúde, tecnologia, etc.). Serviço: oferecer jornalismo explicativo sobre os grandes temas do dia, por meio de seu site de notícias. Financiamento: recursos próprios dos fundadores, modelo de paywall (pagamento mensal para acesso ao conteúdo no site), cursos.
Agencia Lupa. Ano de fundação: 2016. Tema: seções variadas (política, cultural, economia, esportes, entre outras). Serviço: Fact-Checking de informações de interesse público. Financiamento: fundos do grupo econômico que os apoia e venda de serviços de Fact-Checking para outras mídias e para o Facebook.
Aos-Fatos. Ano de fundação: 2016. Temática: política. Serviço: Fact-Checking de informações de interesse público, orientado tecnologicamente. Público: Financiamento: crowdfunding e venda de serviços de Fact-Checking para outras mídias e para o Facebook.
Como podemos ver, as opções para gerar renda são diversas: desde newsletters, paywalls, conteúdos patrocinados, crowdfunding, venda de serviços de Fact-Checking e até cursos especializados. Os elementos para gerar uma fórmula própria de financiamento estão sobre a mesa.
Sobre El Otro
El Otro: O II Encontro Latino-americano de Jornalismo Empreendedor e Inovador ocorreu em 31 de julho e 1 de agosto em Lima, Peru e foi promovido pela FNPI - Fundação Gabriel García Márquez para o Novo Jornalismo Ibero-americano, pelo CAF - banco de desenvolvimento da América Latina - e pela SembraMedia, com o apoio da Universidade Peruana de Ciências Aplicadas (UPC), John S. Knight Journalism Fellowships (JSK) e do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ).