Em 30 anos, a população com mais de 65 anos na América Latina dobrará: quais desafios se apresentam em termos de saúde e previdência?
O envelhecimento, a informalidade e a evolução tecnológica são desafios que exigem o aprimoramento da cobertura, da qualidade e da sustentabilidade fiscal, no que tange à proteção social na América Latina. Um diagnóstico por país, bem como recomendações de políticas para enfrentamento de tais obstáculos, são abordados no novo Relatório de Economia e Desenvolvimento do CAF -banco de desenvolvimento da América Latina.
Atualmente, na América Latina, mais de 8% da população tem 65 anos de idade ou mais, bem abaixo dos 18% da Europa. No entanto, até 2050, estima-se que este número dobrará para 17,5%, e, até o fim do século, ultrapassará a marca de 30%. Esses dados são alguns dos destaques do Relatório de Economia e Desenvolvimento (RED) 2020, elaborado pelo CAF -banco de desenvolvimento da América Latina, no qual o envelhecimento é abordado como um fenômeno generalizado, acelerado e com significativo impacto fiscal na região. O relatório apresenta a situação dos sistemas previdenciários e dos serviços de saúde e assistência médica, bem como os aspectos do mercado de trabalho que condicionam a cobertura e seu financiamento.
Os gastos públicos com previdência na região equivalem, em média, a 4,3% do PIB e as despesas com saúde chegam a 4,1%. Para alguns países, como a Colômbia e a Argentina, a projeção de crescimento dos gastos com previdência e saúde nos próximos 40 anos poderia ultrapassar 6 pontos percentuais do PIB, como resultado do envelhecimento.
“No RED 2020 projetamos os impactos que o envelhecimento terá na proteção social dos idosos, mas também descobrimos que a informalidade é uma grande ameaça à sustentabilidade desse sistema. Os cálculos realizados sugerem que a informalidade deteriora a base de contribuintes em valores comparáveis aos que ocorrerão como consequência do processo de envelhecimento nos próximos 40 anos”, explicou Pablo Sanguinetti, vice-presidente de Conhecimento do CAF.
Entre 2005 e 2018, a informalidade recuou na região, com queda na proporção de assalariados informais de quase 9 pontos porcentuais. No entanto, cerca de 63% dos trabalhadores da região, em média, ainda atuam em postos informais. Este panorama se agravou pela significativa destruição do emprego formal em consequência da COVID-19. A pandemia impõe desafios nesta área, na medida em que o mercado de trabalho não realoca em postos de qualidade aqueles que perderam seus empregos e acabam encontrando refúgio em vagas informais e de baixa remuneração.
Outra tendência global relevante para a proteção social é o avanço, em diferentes velocidades, na digitalização e na automação dos processos produtivos. Os progressos tecnológicos podem favorecer a substituição de trabalhadores por máquinas ou a digitalização na execução de tarefas rotineiras, aumentar a produtividade em tarefas não rotineiras e ampliar as oportunidades para a realização de novas tarefas. Tais avanços impactam a oferta de proteção social, pois afetam as trajetórias de trabalho e a distribuição salarial. Por outro lado, a evolução da tecnologia pode favorecer o desenvolvimento de formas não tradicionais de trabalho e com diferentes propensões a contribuir para o sistema de proteção social. Um exemplo disso são os chamados empregos de plataforma, que, de acordo com a Pesquisa CAF 2019 (ECAF), já alcançam uma em cada 10 pessoas ocupadas nas principais cidades da região.
Previdência
Considerando a taxa média de substituição para os países da OCDE, que é de 59%, países com regimes de repartição na região situam-se, geralmente, acima desse patamar e, portanto, não apresentariam problemas de adequação de valores. As taxas de substituição para regimes de capitalização, por outro lado, situam-se bem abaixo da média da OCDE, apontando para potenciais problemas de adequação.
“O desenho dos sistemas previdenciários na região deveria seguir três linhas gerais, que independem de terem uma arquitetura de capitalização, repartição ou mista. Em primeiro lugar, todos os idosos deveriam contar com uma renda mínima adequada. Em segundo lugar, o componente contributivo das previdências deve estar equilibrado financeiramente para ser sustentável. A terceira diretriz diz respeito a aspectos mais específicos do desenho das previdências, com foco especial em incentivos de contribuição oferecidos pelos diferentes sistemas para aumentar a cobertura e os aportes”, acrescentou Sanguinetti.
Saúde
Avançar na melhor integração dos diversos subsistemas de saúde que levarão à redução da lacuna de qualidade e de serviço entre eles é um desafio para a maioria dos países da região. O desenvolvimento de mecanismos de controle de custos e uso eficiente de recursos, políticas de prevenção e a implementação de políticas de assistência são fatores fundamentais para melhorar a prestação de serviços de saúde e sua sustentabilidade fiscal.
O RED 2020 destaca que nem tudo é questão de aumento de gastos. Em contrapartida, há uma margem significativa para aumentar a eficiência nos gastos em saúde, na maioria dos países da região. Os resultados indicam que a cobertura efetiva poderia ser ampliada, em média, 10,6pontos percentuais com o mesmo volume de gastos. Com uma lacuna média de 13,4 pontos no índice de cobertura em relação à média da OCDE, isso significa que quase 80% de tal lacuna poderia ser preenchida por melhorias de eficiência.
Sustentabilidade fiscal
Uma estratégia para realizar reformas bem-sucedidas com o objetivo de alcançar a sustentabilidade fiscal dos sistemas é adotar uma visão ampla das políticas e agrupar medidas que permitam levar em conta as diferentes dimensões do sistema de proteção social. Ainda segundo a ECAF 2019, mais de 45% das pessoas preferem reformas que combinem mudanças na idade de aposentadoria, nível de benefício e taxas de contribuição, a qualquer opção exclusiva. Uma fórmula comum neste sentido é combinar elementos que ampliem os benefícios com aspectos que melhorema sustentabilidade financeira,, como aumentar marginalmente a idade de aposentadoria. Por fim, é importante também dotar o Estado de maior agilidade, transparência e capacidade de gerar, processar e comunicar as informações que permitem formular e implementar políticas eficazes de proteção social.
“Em última análise, as políticas devem ser implementadas para aumentar a formalidade do trabalho, ampliar a arrecadação de impostos, expandir a cobertura previdenciária e de saúde e, ao mesmo tempo, introduzir reformas paramétricas nesses regimes de previdência contributiva desequilibrados em termos atuariais. Em alguns países, a ausência de espaço fiscal implica a implementação de reformas que, necessariamente, contenham gastos”, afirmou Sanguinetti.