Os riscos da corrupção na pandemia
A América Latina tende a liderar os rankings de regiões com os maiores índices de percepção de corrupção. Estima-se que a corrupção custe à região USD 220 bilhões por ano, o equivalente ao PIB do Peru ou às reservas internacionais da Alemanha.
Com esses precedentes, gerenciar uma pandemia global impunha desafios. Os países foram obrigados a aumentar fortemente seus gastos em diversas áreas, entre os quais se destacam os relacionados a questões de saúde: globalmente, a OMS estima que 89 milhões de máscaras médicas, 76 milhões de luvas para exames e 1,6 milhão óculos de proteção são necessários mensalmente.
Além disso, estima-se que apenas em vacinas contra a Covid-19, contratos foram celebrados com uma forte contribuição de fundos públicos: mais de USD 9 bilhões de governos e mais de USD 2 bilhões de entidades de apoio. A faixa de preço por dose de vacinas, de acordo com o UNICEF, está entre USD 2 e USD 40, o que mostra que as oportunidades de corrupção estão se abrindo em evidentes sobrepreços.
É claro que a gestão da pandemia representa um grande desafio para os governos da região, e que a própria emergência sanitária gera amplas oportunidades de corrupção.
Nesse sentido, os governos precisam atender com eficiência a população e, ao mesmo tempo, garantir condições de transparência nos processos de compras e contratações públicas, tanto em nível de saúde e emergencial quanto em termos de recuperação econômica.
Surgiram casos de irregularidades, como vacinação arbitrária de altas autoridades da região ou preços artificiais de suprimentos médicos. Mas também tem havido uma maior demanda em termos de transparência em relação aos preços de compra ou suprimentos dos principais insumos para combater a pandemia. Por exemplo, recentemente, na Colômbia, um tribunal superior ordenou que o governo divulgasse informações sobre os contratos relacionados à compra de vacinas.
Embora ainda não haja números sobre se a corrupção aumentou com a pandemia, o custo global da corrupção é estimado em USD 2,6 trilhões, ou 5% do PIB global.
Segundo a CEPAL, isso é mais do que o dobro do necessário para proporcionar uma renda básica de emergência a todas as pessoas que vivem hoje na pobreza na América Latina e no Caribe.
Os esforços para combater a corrupção durante a pandemia também são dignos de nota. Tecnologias baseadas em dados têm sido usadas para dar mais publicidade e transparência aos processos de compras públicas de emergência.
Desde mecanismos de alocação e acompanhamento de despesas em tempo real, com base em resultados, até algoritmos que enviam automaticamente editais para propor ofertas emergenciais devido à pandemia para prestadores cadastrados.
A disponibilidade de dados abertos, um insumo necessário para que a sociedade civil e as organizações de controle tenham mecanismos mais eficazes de combate à corrupção na América Latina, continua a ser um desafio a ser superado.
No entanto, isso não impediu vários países de começarem a usar análise de dados, aprendizado de máquina e inteligência artificial para combater a corrupção, o que representa mais um exemplo do potencial da digitalização.
Uma das linhas em que se avança é a digitalização dos processos de compras públicas e a definição dos mecanismos de contratação e divulgação da informação em um padrão de dados amigável e pública.
Nesse sentido, por exemplo, no Brasil, com o aplicativo ALICE, e na Colômbia, com o aplicativo OCEANO, as autoridades de controle são capazes de rastrear massivamente os riscos de corrupção em tempo real, a partir das informações publicadas pelos órgãos de segurança pública.
“A América Latina continua precisando de reformas históricas para reprimir a corrupção, a maioria delas relacionadas ao Compromisso de Lima, de 2018. É necessário fazer ajustes institucionais anticorrupção, como a regulamentação do conflito de interesses, a regulamentação do lobby, a adoção de um regime de proteção aos denunciantes, a implementação profunda de mecanismos de combate à lavagem de dinheiro e convenções de lavagem de dinheiro, suborno e simplificação de processos para recuperar ativos mal utilizadoss”, afirmou Camilo Cetina, executivo-chefe da Diretoria de Inovação Digital do Estado do CAF.
Outros países também avançaram na sofisticação de seus mecanismos de controle da corrupção. O Paraguai, por exemplo, lançou um portal eletrônico em que são publicadas despesas e operações relacionadas à Covid; o Equador assumiu compromissos com a aliança para o governo aberto para tornar sua plataforma de compras públicas eletrônicas mais acessível e transacional; e a Colômbia estabeleceu mecanismos contra acordos de estrutura de preços para garantir um fornecimento transparente de bens relacionados com a pandemia.
Além disso, a Open Government Partnership (OGP) oferece informações sobre mais de uma centena de iniciativas digitais que tornam visível a atenção e a gestão dos governos diante da pandemia.
Cetina garante que, de acordo com estudos disponíveis da OCDE e do Banco Mundial, a corrupção é um dos principais elementos que deterioram a confiança entre cidadãos e governos; e que é necessário restaurá-la para fazer cumprir a lei e as disposições públicas necessárias para conter a pandemia.
A agenda de integridade não é apenas importante durante a pandemia, mas será decisiva para a recuperação como parte essencial dos programas de reativação.
Nesse sentido, a transformação digital de governos é também uma oportunidade de combate à corrupção, principalmente por meio da transparência de dados, da redução da discricionariedade e da simplificação de processos.